sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Fragmentos

Ele abre os olhos. De novo um teto branco. De novo um outro quarto vazio. De novo.
Encosta no espelho da cama. Os dedos logo encontram o maço já pela metade. O vermelho do fogo logo se encontra com o branco do teto. Os lábios logo se encontram com o gosto do alívio. De novo.
De novo mais uma noite em claro.

...

A luz do cigarro já começa a dividir seu brilho com o sol. Já é dia. Na claridade, o quarto é ainda mais imundo do que era na noite, mas já estava acostumado com aquilo. Pelo menos os lençóis eram limpos dessa vez.
Veste a calça que dormiu no chão. Em a uma mala de couro gasto, pega a primeira camisa que vê. Vai até o banheiro, lava o rosto, e, quando se olha no espelho, pára. Era a camisa que Anna havia lhe dado de aniversário.
Delicadamente a desabotoa. Volta para o quarto, e a guarda de novo na mala.

...

A estrada estava vazia. O ar seco do deserto dava a tudo um tom mais solitário. O banco do passageiro vazio. Ninguém na parte de traz. O rádio desligado.
Ainda assim, mantinha o rosto inflexível. Os olhos atentos à direção. Inexpressível.
Estendeu a mão até a marcha, e a diminuiu. Aos poucos o carro foi desacelerando, até que, por fim, parou no acostamento.
Seus dedos de novo procuram o maço, e seus lábios de novo procuraram o alívio. Não o encontraram. Não havia alívio no fogo. Fazia dez anos hoje. Nenhum fogo queimaria isso. Nenhum fogo queima dez anos.
O alívio não vinha. Nunca viria. Estava atrasado. Assim como ele mesmo, estava atrasado. Sempre atrasado. Dez anos atrasado. Nunca iria chegar.
O cigarro não sai de sua boca. A mão livre não sai do volante. Ele era incapaz de se mexer. Era incapaz de até de chorar. Já derramou todas as lágrimas que tinha. Estava vazio. Há dez anos, estava completamente vazio.
O fogo acabou. Suas mãos jogaram a ponta pela janela, e depois retornam ao volante. O rosto continuava estático. Imóvel. Os olho sempre mirando o final da estrada.
De novo o maço. De novo os lábios. De novo o vazio. De novo a estrada.

De novo.

2 comentários:

M. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
M. disse...

Muito,muito,muito bom!
Mas O Toque,eu achei genial.
beijos