segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cor

A chuva já se prenunciava e, cada vez mais, as pessoas nas ruas alongavam seus passos, indo para suas casas ou procurando um lugar para se abrigar. E, no meio deste mar revolto de homens e carros, eu me perdia em meus próprios pensamentos e me entorpecia com minhas próprias mágoas. Meu futuro, agora, não era diferente de uma das incertas gotas da tempestade que se seguia, que se punham a total mercê da vontade do vento.
Foi então que a chuva começou a cair. Aproximei-me, quase inconscientemente, de uma das sacadas, para me proteger da dela, enquanto a maioria dos passantes a minha volta corria ou abria guarda-chuvas. Em meio a todo este caos, senti, então, uma pequena mão puxar, delicadamente, a barra de minha calça.
Sobre meu jeans claro, aquela mãozinha morena e suja se destacava de maneira antagônica e injusta. A dona desta era uma pequena menina que não devia possuir muito mais que seis ou sete anos. Ela tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo e vestia um moletom, sujo e encardido, muito maior do que realmente devia ser. Porém, mesmo mal cuidada, era linda, com feições delicadas, olhos puxados e pele cor de jambo.
Tinha na mão livre rosas vermelhas como sangue e, ao seu lado, havia um pequeno balde onde ela punha o dinheiro que recebia. As rosas e seu sorriso claro fizeram dela um pequeno ponto de luz em meio ao dia cinzento e àquelas pessoas sem rosto.
– Quer um rosa, senhor? - disse ela.
– Eu adoraria. Ainda mais vinda de uma menina linda como você. - falei, enquanto tentando disfarçar toda a tristeza e desesperança que me perseguiam aquele dia. - Quanto custam?
– Uma por um e três por dois.
– E se eu levar quatro rosas, quanto vai sair? - perguntei brincado com ela.
– Ah, não sei, senhor. Minha mãe só me disse isso. - respondeu, enquanto virava o olhar em direção aos pés, como uma demonstração de vergonha.
– Me veja uma rosa, então. Mas quero a mais bonita que você escolher!
Nesse momento, seu rosto se levantou rapidamente com um imenso sorriso estampado nele, como se aquilo representasse um grande presente para ela e, sem pensar duas vezes, escolheu aquela que, para ela, era a mais bonita rosa que tinha.
Entreguei-lhe uma nota de cinco reais, dizendo a ela que, se era a rosa mais bonita, era, então, mais cara. Por um instante a menina pensou se aquilo era certo, mas logo aceitou, com uma grande expressão de alegria e pôs a nota junto as demais no balde ao seu lado. Com suas mãos sujas e tão pequenas e delicadas, me entregou a flor vermelha como sangue e macia como veludo.
- Qual o seu nome? - indaguei eu, enquanto pegava a rosa que ela segurava.
- Sofia, senhor. Me chamo Sofia. - respondeu ela, com uma pequeno ar interrogativo em seu rosto.
- Essa rosa é um presente, Sofia. Meu para você. Gostou? - Abri um sorriso, o primeiro daquele dia. Toda a alegria da menina parecia ter me contagiado, e não conseguia fingir não estar bem ao seu lado.
O sorriso dela se tornou mais profundo, e parecia não acreditar naquilo. Agarrou a rosa e, em um ato absolutamente impulsivo e verdadeiro, pos as demais que segurava no balde ao seu lado e abraçou-me.
Nunca mais esquecerei isso. Aquela menina e aquele abraço mudaram meu dia, fizeram dele um painel menos cinza e, de mim, homem com mais cor.